O estudo “An Analysis of the Digestive and Reproductive Tract Microbiota in Infertile Women with Obesity” conduzido por Bellver e colaboradores explora a relação entre o microbioma, ou seja, a composição de bactérias, que habitam os tratos digestivo e reprodutivo em mulheres inférteis com obesidade.
Pioneiro em sua abordagem, investiga detalhadamente a composição bacteriana dessas regiões em mulheres com diagnóstico de infertilidade com diferentes índices de massa corporal (IMC), fornecendo informações valiosas para a compreensão de como a obesidade pode impactar a saúde reprodutiva através de alterações microbiológicas.
Por que a obesidade afeta a fertilidade?
A obesidade é um fator reconhecidamente associado a piores desfechos reprodutivos, incluindo menor taxa de implantação embrionária e taxas de abortamento mais elevadas. Esses efeitos são multifatoriais, envolvendo alterações hormonais, inflamatórias e metabólicas. No entanto, a influência do microbioma na fertilidade é um campo emergente, associado com problemas metabólicos, porém ainda pouco explorado nesse contexto.
O estudo de Bellver e colaboradores teve como objetivo preencher essa lacuna investigando como a composição microbiológica difere entre mulheres obesas (IMC variando de 30.0 a ≥40.0) e normopeso e como essas diferenças podem estar relacionadas aos desfechos reprodutivos.
Principais resultados do estudo
Microbioma intestinal
No trato digestivo, o estudo identificou algumas diferenças relevantes entre as mulheres obesas e normopeso:
- Índice Bacteroidetes/Firmicutes: Embora esse índice seja frequentemente associado à obesidade, não foram observadas diferenças significativas entre os dois grupos no presente estudo.
- Composição específica: Mulheres com IMC variando de 30.0 a ≥40.0 apresentaram maior presença de Parasutterella e Roseburia, enquanto mulheres normopeso tiveram maior abundância de Escherichia-Shigella. Essas diferenças sugerem que a composição da microbiota intestinal pode desempenhar um papel na regulação hormonal e metabólica das mulheres, uma vez que algumas bactérias entéricas, como a Roseburia, participam da modulação dos níveis de estrogênio do corpo. Contudo, mais estudos são necessários para confirmar esses impactos.
- Diversidade do microbiana: De maneira geral, o microbioma intestinal das mulheres obesas mostrou menor diversidade bacteriana, um fator frequentemente associado a desfechos negativos na saúde geral e reprodutiva.
Microbioma reprodutivo
Em relação a microbiota do trato reprodutivo, os achados do estudo vão de acordo com a literatura. As microbiotas vaginal e endometrial apresentaram grandes similaridades, reforçando a hipótese da colonização endometrial pela ascensão de bactérias da microbiota vaginal.
- Predominância de Lactobacillus: Em ambos os grupos, o microbioma vaginal e endometrial foi dominado por espécies de Lactobacillus, conhecidas por seu papel protetor na saúde reprodutiva.
- Maior presença de Streptococcus em mulheres com IMC igual ou superior a 30: As pacientes obesas apresentaram maior prevalência de Streptococcus no endométrio, o que pode estar associado à inflamação crônica e a piores resultados reprodutivos, como menores taxas de implantação embrionária.
- Diversidade reduzida: Assim como no microbioma intestinal, a diversidade bacteriana no microbioma reprodutivo das mulheres obesas também foi menor.
Repercussões clínicas
Os achados do estudo apontam para uma relação clara entre a obesidade e alterações no microbioma, que podem impactar negativamente os desfechos reprodutivos. Alterações no microbioma intestinal podem interferir no metabolismo hormonal, enquanto a presença de microrganismos patogênicos no endométrio pode criar um ambiente menos favorável à implantação embrionária.
Por outro lado, a predominância de Lactobacillus em ambos os grupos reforça a importância do equilíbrio de bactérias saudáveis para otimizar os tratamentos de reprodução assistida.
Implicações para tratamentos de reprodução assistida
- Avaliação microbiológica: Os resultados sugerem que a avaliação do microbioma intestinal e reprodutivo pode ser incorporada aos protocolos de reprodução assistida, especialmente em pacientes obesas.
- Personalização de tratamentos: A identificação de alterações microbiológicas específicas pode permitir tratamentos personalizados, melhorando as taxas de gravidez natural e sucesso de procedimentos como a fertilização in vitro (FIV).
- Intervenções preventivas: O uso de estratégias como a suplementação com pré- e probióticos, bem como a modificação da dieta, pode ajudar a restaurar um microbioma equilibrado antes do início dos tratamentos.
Como analisar o microbioma reprodutivo?
A avaliação do microbioma endometrial é fundamental para compreender o ambiente uterino e sua influência na fertilidade feminina. Uma ferramenta avançada para essa análise são os testes EMMA&ALICE (Análise Metagenômica do Microbioma Endometrial & Análise da Endometrite Crônica Infecciosa), desenvolvidos pela Igenomix, parte do Vitrolife Group.
O que são os testes EMMA & ALICE?
Análise Metagenômica do Microbioma Endometrial (EMMA) e Análise da Endometrite Crônica Infecciosa (ALICE) são testes que analisam a flora bacteriana do endométrio. O teste EMMA identifica a presença de bactérias saudáveis, os Lactobacillus, que estão associadas a maiores taxas de gravidez, e outras bactérias patogênicas frequentes do trato reprodutivo superior, enquanto o teste ALICE detecta bactérias patogênicas responsáveis por causar endometrite crônica infecciosa, condição patológica que pode afetar a fertilidade feminina.
Metodologia do teste EMMA
A realização do teste EMMA envolve os seguintes passos:
- Coleta da Amostra: É realizada uma biópsia endometrial, procedimento simples efetuado pelo ginecologista, que consiste na coleta de uma pequena quantidade do endométrio, tecido que reveste a parede interna do útero. A biópsia deve ser realizada entre o 15º e o 25º dia do ciclo menstrual em mulheres com ciclos regulares. Em casos de ciclos irregulares, pode ser necessário simular uma fase secretora através de um ciclo de terapia hormonal para realizar a biópsia durante os dias de ingestão de progesterona.
- Processamento da amostra: Após a coleta, a amostra é refrigerada a uma temperatura entre 4–8 °C por no mínimo 4 horas. Para garantir a qualidade, recomenda-se que o envio ao laboratório ocorra em até 120 horas à temperatura ambiente, evitando que a amostra atinja temperaturas superiores a 35 °C.
- Análise Laboratorial: No laboratório, é realizada a extração do DNA bacteriano presente na amostra, seguida de amplificação e sequenciamento por PCR do gene 16S rRNA, que é conservado em todas as bactérias e possui regiões específicas para cada espécie. Essa análise permite identificar as bactérias presentes na microbiota endometrial.
- Interpretação dos Resultados
Os resultados do teste EMMA fornecem informações detalhadas sobre o equilíbrio do microbioma endometrial. Veja no vídeo em detalhes.
Importância clínica dos testes EMMA&ALICE
A análise do microbioma endometrial por meio dos testes EMMA&ALICE é especialmente relevante para:
- Pacientes com Repetidas Falhas de Implantação: desequilíbrios na flora endometrial pode explicar insucessos em tratamentos de fertilização in vitro (FIV) e orientar intervenções para melhorar as chances de gravidez.
- Pacientes com Abortamento de Repetição: A endometrite crônica pode estar associada a perdas gestacionais.
- Casos de Infertilidade Sem Causa Aparente: O teste pode revelar infecções subclínicas ou desequilíbrios bacterianos assintomáticos que não seriam detectados por métodos tradicionais, permitindo tratamentos direcionados.
Por quanto tempo os resultados do EMMA& ALICE são válidos?
Conte com o seu médico especialista e com a equipe científica da Igenomix para uma orientação individualizada ao seu caso.
Artigo de referência:
Bellver, J.; Gonzalez-Monfort, M.; González, S.; Toson, B.; Labarta, E.; Castillón, G.; Mariani, G.; Vidal, C.; Giles, J.; Cruz, F.; et al. An Analysis of the Digestive and Reproductive Tract Microbiota in Infertile Women with Obesity. Int. J. Mol. Sci. 2024, 25, 12600. https://doi.org/10.3390/ijms252312600

Virgínia Regla é Biomédica com pós-graduação em imunologia e microbiologia