Se você pudesse garantir a saúde do seu bebê você faria?
Seria raro alguém responder que não a essa pergunta. No entanto, esta decisão é menos simples do que parece porque envolve várias questões, principalmente exames genéticos.
A revista científica Fertility and Sterility convidou alguns especialistas a favor e contra a realização do teste de compatibilidade genética que rastreia mutações nos genes dos futuros pais para avaliar o risco de transmissão de doenças genéticas hereditárias, mesmo quando ainda não foram detectados casos anteriores na família dos progenitores.
Risco de doença genética deve ser testado antes da gravidez?
Quem pesquisa sobre esse assunto, encontra diferentes opiniões a favor e contra de fontes igualmente confiáveis, ou seja, de especialistas conceituados. Cabe ao casal que está planejando a gravidez refletir sobre os argumentos que melhor se encaixam com sua realidade, crenças e objetivos.
Para tomar uma decisão informada, a melhor ferramenta é o aconselhamento genético. Uma consulta com um geneticista ajuda a entender todos os possíveis cenários de realização ou não dos testes genéticos disponíveis de forma personalizada.
O que é painel de portadores?
Painel de portadores é um teste genético que realiza o sequenciamento do DNA de uma pessoa para identificar a presença de determinadas mutações genéticas predeterminadas pelo painel. Os painéis genéticos variam entre os laboratórios de genética tanto em número e relevância de mutações estudadas, quanto em nível de especificidade e confiabilidade.
O que é teste de compatibilidade genética?
Teste de compatibilidade genética é um exame genético antes da concepção, também chamado PCS (triagem de pré-concepção para portadores), das siglas em inglês Preconception Carrier Screening, nada mais é que a comparação entre dois painéis de portadores. Esta comparação pode ser realizada entre os dois membros do casal ou até mesmo em tratamentos de Fertilização in Vitro com óvulos ou sêmen de doadores.
Em ambas situações, o objetivo é identificar o risco de doenças genéticas autossômicas recessivas, que são aquelas que se manifestam apenas quando existe a presença de um mesmo gene alterado no óvulo e no espermatozoide que irá gerar o embrião.
Qual é a chance de encontrar mutações e ser portador ?
A média de mutações encontradas em cada indivíduo é de 2,3, sendo assim a grande maioria da população apresenta mutações. Mas, isso não significa que essas pessoas vão chegar a desenvolver certas doenças. É possível ser portador de uma doença genética sem chegar a desenvolvê-la.
Ser portador significa que das duas copias de um gene, uma contém uma mutação, o que faz com que esse gene não funcione corretamente. Se a mutação ocorre em apenas um gene, ainda existe uma copia funcional do mesmo gene, de modo que os portadores podem não ser conscientes desta condição até que realizem um exame de compatibilidade genética.
No caso em que ambos os pais tenham uma mutação no mesmo gene, a probabilidade de ter um filho doente é de 25%.
Como proceder quando ambos os pais são positivos?
Se ambos os pais recebem um resultado positivo no exame de compatibilidade genética com mutação para o mesmo gene, a recomendação é consultar com um especialista as opções para conceber um bebê saudável:
- Realizar um diagnostico pré-natal para caso a doença se manifeste, detectá-la de forma precoce.
- Realizar o teste genético pré-implantação (PGT-M), evitando assim que seu filho manifeste a doença.
- Recorrer à doação de gametas para evitar essas doenças.
- Considerar a adoção, para evitar ter um filho afetado.
Pontos a favor e contra a avaliação do risco genético na descendência
Questões | Pontos de quem é favorável AO teste | Pontos de quem é contra AO teste |
Princípios éticos que orientam a aplicação da triagem pré-concepção para portadores (PCS) |
· Autonomia – emancipação reprodutiva com conhecimento das opções disponíveis. – Jason Franasiak M.D.; Antonio Capalbo PhD; Lorraine Dugoff M.D.
· Justiça – são oferecidos o mesmo painel de triagem independente de raça e etnia. – Lorraine Dugoff M.D.
· Beneficência – identificação de descendentes afetados permite implementação de intervenções. – Lorraine Dugoff M.D. |
· Beneficência – identificação de descendentes afetados aumenta probabilidade de gerar filhos com melhor expectativa de vida. – Guido Pennings PhD
· Proporcionalidade terapêutica – testes posteriores ao PCS não estão disponíveis em todos os países. ; Guido Pennings PhD
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Custo-benefício para o sistema de saúde vs autonomia do paciente |
· Custos associados ao cuidado dos indivíduos afetados superam os valores dos testes PCS. – Jason Franasiak M.D.; Lorraine Dugoff M.D.
· Doenças mendelianas* correspondem a 20% dos casos de mortalidade infantil e a 18% das hospitalizações pediátricas em países desenvolvidos. – Lorraine Dugoff M.D.
· O aumento global da expectativa de vida de indivíduos afetados em tratamento aumentará o impacto financeiro das doenças mendelianas. – Antonio Capalbo PhD |
· Para ser rentável, um número elevado de casais deve participar do programa de triagem do PCS e alterar seus planos reprodutivos. – Davit Chokoshvili PhD
· Baixa probabilidade de resultados
· Requisitos adicionais de pessoal para gerir esse |
Dificuldades para implementação na rotina |
· Logística na prestação do serviço. – Antonio Capalbo PhD
· Falta de entendimento dos pacientes e médicos sobre testes oferecidos e quais informações aportam. – Lorraine Dugoff M.D.
· Ausência de cobertura pelo plano de saúde. – Lorraine Dugoff M.D. |
· Interesse dos futuros pais ainda é restrito (percepção de que conceber através do PCS não é natural ou preocupação com resultados inconclusivos). – Davit Chokoshvili PhD
· Para médicos, o conhecimento de genética é o maior desafio para implementação do PCS. – Davit Chokoshvili PhD
· Limitação econômica – Guido Pennings PhD |
Possível responsabilidade dos prestadores de cuidados no caso de nenhuma adoção de PCS |
· Processos por negligência – médicos não advertem os pais da possibilidade de dar à luz uma criança com alterações genéticas. – Jason Franasiak M.D.; Antonio Capalbo PhD
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· Médicos não têm obrigação de oferecer o PCS pois não é considerado padrão de cuidado/tratamento. – Davit Chokoshvili PhD |
*Doenças mendelianas são as doenças genéticas monogênicas, ou seja, doenças que afetam apenas um único gene. Atualmente apenas este tipo de doença e alterações cromossômicas podem ser identificadas no embrião antes da gravidez. Doenças ou condições genéticas que são resultado de mutações multigênicas, ou seja, que envolvem mais de um gene, ainda não podem ser rastreadas para a seleção embrionária.
Marcia Riboldi, PhD – Geneticista e diretora da Igenomix Brasil