Abortos espontâneos são perdas gestacionais ocorridas antes de se completar 20–24 semanas de gravidez, com uma incidência mundial de aproximadamente 23 milhões de ocorrências anuais. Estudos acerca de abortos de repetição têm designado algumas possíveis causas para tais eventos, como translocações cromossômicas parentais, anormalidades uterinas, distúrbios endócrinos, fatores autoimunes, infecções e causas trombofílicas. As causas cromossômicas chegam a corresponder até 60% dos casos de abortos.
A metodologia tradicional para investigação de abortos se dá por meio da citogenética (cariótipo), que depende do cultivo celular dos produtos de concepção para realização da análise.
Com o avanço dos métodos analíticos baseados em DNA, a informatividade do POC aumentou para 80%. Porém, para se obter o DNA fetal para estudo com metodologias moleculares/citogenéticas é necessário um material de boa qualidade, fresco, descontaminado e não fixado, podendo acarretar risco de contaminação materna.
Com a descoberta do DNA livre de células (cfDNA) no plasma de gestantes, foi possível o desenvolvimento de uma análise pré-natal não invasiva (NIPT) capaz de escanar aneuploidias comuns e aneuploidias autossômicas raras a partir da coleta de sangue materno, no qual o cfDNA derivado da placenta circula livremente. Assim sendo, uma vez que no grupo de causas cromossômicas, as alterações cromossômicas numéricas (trissomias e monossomias) são a causa de até 70% das perdas gestacionais de primeiro trimestre, essa nova abordagem baseada em DNA livre de células pode realizar importante papel também na investigação etiológica de perdas gestacionais precoces e abortos de repetição.
Um estudo observacional retrospectivo publicado na revista científica BJOG foi realizado pela Igenomix Espanha1 durante o período de fevereiro de 2021 a julho de 2022, com 120 mulheres participantes que sofreram aborto espontâneo no primeiro ou segundo trimestre de gestação. No estudo foi realizado a triagem das pacientes para detecção de anormalidades cromossômicas através do POC por sequenciamento de nova geração (NGS) e por POC não invasivo (niPOC) via sangue materno e análise de cfDNA.
Os resultados mostraram não haver diferenças nas taxas de não informatividade entre POC e niPOC (10.0% e 16.7% respectivamente).
Para a avaliação da concordância entre as duas metodologias, foram retirados os casos de não informatividade, e quando comparado os 90 casos restantes, o niPOC havia identificado corretamente 74 casos (normais e anormais).
Comparativa de resultados obtidos por diferentes análises do abortamento espontâneo
Um resultado positivo na triagem pode ser um forte indicativo de que a anormalidade cromossômica tenha sido a causa do aborto, após aconselhamento genético adequado. Assim sendo, pacientes com perdas gestacionais precoces ou abortos de repetição podem se beneficiar ao realizar o POC não invasivo, uma vez que ele pode determinar a etiologia da perda gestacional.
Informações importantes para a realização do niPOC
Para a eficácia do niPOC na investigação da causa do aborto, é imprescindível que a extração do sangue materno seja realizada antes da expulsão espontânea, evacuação instrumental, curetagem ou tratamento farmacológico para expulsão ou reabsorção do produto da gravidez.
Virginia Regla, Assessora Científica
1 Balaguer N, Rodrigo L, Mateu-Brull E, Campos-Galindo I, Castellón JA, Al-Asmar N, Rubio C, Milán M. Non-invasive cell-free DNA-based approach for the diagnosis of clinical miscarriage: A retrospective study. BJOG. 2024 Jan;131(2):213-221. doi: 10.1111/1471-0528.17629. Epub 2023 Aug 2. PMID: 37533357.