Tradução livre de artigo publicado na revista científica Fertility and Sterility de autoria dos doutores Matheus Roque e Carlos Simón.
Quantos abandonam o tratamento de fertilidade devido à carga psicológica associada à falha na Fertilização in Vitro (FIV)?
O estresse psicológico é de longe o fator mais importante na interrupção do tratamento da FIV. Até 50% dos pacientes mudam de médico após sua primeira tentativa de Fertilização in Vitro. Nos Estados Unidos, até 65,2% dos pacientes com cobertura de seguro de saúde, que seriam elegíveis para se submeter a outro tratamento de FIV, após um primeiro fracasso não buscam mais cuidados.
Essa interrupção do tratamento entre pacientes com cobertura de plano de saúde é mais comumente atribuída a cargas psicológicas, incluindo sentir-se muito estressado para continuar e a tensão da infertilidade na relação do casal.
Mesmo em países onde o governo paga de três a seis ciclos de FIV, cerca de um terço dos pacientes abandonam o tratamento após um ciclo de FIV sem sucesso, o que destaca a importância da primeira tentativa de Fertilização in vitro. Por outro lado, em muitos países, não há cobertura governamental e/ou de convênios médicos para FIV, por isso os pacientes devem pagar pelo tratamento do próprio bolso. Como resultado, muitos pacientes gastam suas economias para ter acesso a uma tentativa de FIV, o que provavelmente resultará em fracasso. Além disso, pacientes sem cobertura de saúde têm três vezes mais chances de interrupção do tratamento em comparação com mulheres com cobertura.
Portanto, embora os custos de tratamento sejam uma consideração importante em todos os momentos, há uma necessidade crítica de avaliar a eficácia do tratamento a partir do primeiro ciclo. Pacientes que optam por descontinuar o tratamento poderiam, de fato, ter um prognóstico favorável e possibilidade de conceber, mas pressões psicológicas e financeiras estragam sua chance de ter um filho biológico.
Vários fatores podem convergir em uma “tempestade perfeita” que provoca a interrupção das tentativas de FIV após o primeiro fracasso.
- Em primeiro lugar, a eficiência clínica em termos de taxas de bebês nascidos vivo (LBRs) permanece baixa. Embora este fenômeno seja conhecido há décadas, refinamentos e avanços nos tratamentos reprodutivos não melhoraram a LBR na primeira tentativa por ciclo iniciado, que permanece na faixa de 25%-30%.
- Em segundo lugar, há uma falta de pesquisa translacional que faz a ponte entre ciência básica e aplicação clínica. Em vez disso, essa lacuna é ocupada por caprichos que são imediatamente adotados pela comunidade médica porque são fáceis de implementar — como raspar o útero de um paciente (scretching) e fingir que é um tratamento atencioso — ou adicionar pílulas empiricamente, sendo o último um antidepressivo.
- Por fim, embora às vezes sejam necessárias meta-análises robustas para resumir o conhecimento atual sobre uma questão médica específica, tais estudos tornaram-se o “Santo Graal” na literatura reprodutiva. Em vez de revisar criticamente o conhecimento existente produzido por ensaios clínicos randomizados (RCTs) e identificar vieses, algumas meta-análises estão simplesmente adicionando qualquer coisa que possa caber, como um “processador de alimentos”, independentemente da qualidade e potência do estudo. Temos prestado mais atenção aos dados massageados de má qualidade através de técnicas epidemiológicas e estatísticas do que à criação de dados de alta qualidade. Para alguns tópicos, há mais meta-análises do que RCTs. Em termos de culinária, precisamos de chefs mais excelentes do que críticos alimentares para entender melhor as relações entre a reprodutibilidade, as evidências cumulativas e a verdade das alegações clínicas.
As métricas que usamos devem ser adaptadas à nossa principal prioridade — ou seja, primeiro os pacientes — em vez de regras preferidas para médicos ou centros de reprodução assistida. Devemos passar de número de óvulos recuperados ou taxas de fertilização para a taxa cumulativa de bebê nascido vivo (CLBR) como uma maneira confiável de relatar o sucesso de um programa de FIV.
O principal objetivo de um tratamento de FIV é que os pacientes levem para casa um bebê saudável no menor tempo com o menor número de transferências de embriões realizadas.
Os pacientes não estão interessados em quantos ciclos é preciso em um centro específico para qualquer paciente conceber; em vez disso, eles querem saber suas chances reais de conceber um bebê na primeira tentativa. Esse objetivo é relevante para intervenções específicas que melhorarão a taxa de sucesso em termos de nascimento vivo na primeira tentativa — mesmo que não haja mudança na CLBR, que muitas vezes é usada como argumento contra a adoção de uma técnica que beneficiará um paciente na primeira tentativa.
Pior ainda, tais intervenções são reservadas para falhas de implantação, quando os pacientes tentaram pelo menos três ciclos mal sucedidos. No entanto, como muitos pacientes vão interromper o tratamento antes de três tentativas fracassadas, eles nunca terão a oportunidade de implementar uma estratégia que só é defendida pelo fracasso. Aqueles que proseguem com tratamentos adicionais frequentemente perguntam por que tal técnica não foi implementada anteriormente para permitir que eles evitassem falhas no ciclo, algumas das quais terminaram em aborto e seus riscos médicos associados e sofrimento emocional.
Esses fenômenos ressaltam que a personalização na medicina reprodutiva deve evoluir consideravelmente em comparação com outras áreas da medicina. O uso da genética e diagnóstico molecular pode levar a melhorias na eficácia do tratamento de FIV e os benefícios potenciais dessas abordagens devem ser discutidos com os pacientes antes de iniciar o tratamento de fertilidade.
Não podemos defender a implementação de tratamentos adicionais sem uma base de evidências. Em vez disso, defendemos uma mudança de mentalidade na nova década: usar todas as evidências científicas disponíveis para apoiar nossos pacientes no fornecimento de seu melhor primeiro tratamento de FIV, porque às vezes o primeiro tratamento pode ser seu único tratamento. Além disso, não há lógica econômica para o paciente ou o médico passar por vários ciclos fracassados antes de oferecer o melhor atendimento possível.
Acesse o artigo e participe da discussão: https://www.fertstert.org/article/S0015-0282(19)32628-7/fulltext