Com o passar do tempo a palavra câncer está sendo desmistificada. No entanto, outro termo assusta: metástase. A boa notícia é que, com os avanços dos últimos anos, o câncer de mama metastático deixou de ser sinônimo de sentença de morte. Ao contrário disso, é crescente o número de novas opções de terapias-alvo que aumentam o tempo e qualidade de vida das pacientes metastáticas.
A “era da medicina de precisão” tem sido o fio condutor desta revolução dos novos tratamentos que estão proporcionando aos pacientes com câncer de mama mais chances de cura e ganhos significativos de sobrevida. O objetivo principal destes novos tratamentos oncológicos é atingir as características moleculares, conhecidas como mutações, que são exclusivas das células tumorais da paciente.
Em linhas gerais, além de características clínicas e histopatológicas da paciente, é analisado o perfil genético do tumor. Identifica-se quais mutações – erros que ocorreram no código genético daquele tumor- e, com isso, usa-se medicamentos que são especialmente desenhados para “atacar” estas alterações que levaram ao desenvolvimento do câncer.
Os testes genéticos são os maiores aliados da medicina de precisão. Alguns deles analisam o perfil molecular de genes associados com risco hereditário de câncer (conhecidos como painel germinativo ou hereditário). Neste teste é possível identificar se uma paciente apresenta risco pessoal de desenvolver o câncer de mama ou outros tipos de tumores ao longo da vida. Cerca de 10% de todos os casos de câncer de mama são hereditários, sendo a Síndrome de Câncer de Mama e Ovário Hereditário (HBOC, na sigla em inglês), associada a mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, a mais prevalente.
Os testes moleculares no tumor (ou testes somáticos) também se tornaram essenciais no sucesso da medicina de precisão. O exemplo mais evidente está no câncer de pulmão. Diferente do que ocorria até o início deste milênio, quando todo tumor pulmonar era tratado com quimioterapia, hoje os pacientes, antes de iniciar o tratamento, podem receber a indicação de testagem dos genes EGFR, BRAF, ROS1, RET, ALK e MET. Para pacientes com tumores avançados e com mutações nestes genes medicamentos com eficácia comprovada já estão sendo oferecidos.
No câncer de mama, que também é uma doença plural, podendo ser influenciada por fatores hormonais (estrógeno e progesterona), ter hiperexpressão de HER-2 ou apresentar ausência destas características (tumores triplo-negativos), a medicina de precisão tem uma importância crescente. E o papel da medicina de precisão se evidencia no Outubro Rosa, quando se aborda a importância do diagnóstico precoce como um alerta aos números exorbitantes de mulheres que são diagnosticadas tardiamente e já em estágio avançado de câncer de mama.
Dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) revelam que mais de 40% dos casos atingem mulheres jovens (faixa etária em que o tumor é mais agressivo), em fase pré-menopausa, diferente de pouco tempo atrás quando a incidência era maior após os 50 anos. Estima-se, ainda, que para os próximos anos a taxa de novos casos aumente.
Embora o câncer de mama seja a primeira causa de morte por câncer em mulheres no Brasil, segundo o INCA, e a incidência e a mortalidade tendem a crescer progressivamente a partir dos 40 anos, a ciência tem evoluído positivamente no tratamento dos casos, principalmente no estágio avançado da doença.
Terapias-alvo para câncer de mama avançado
Como descrito, o conhecimento sobre as mudanças genéticas que causam o câncer apontou caminhos para a ciência desenvolver novos tipos de drogas que atacam receptores ou proteínas intracelulares específicos. Dentre estas terapias-alvo estão as inibidoras da hiperexpressão de HER2. Uma em cada cinco mulheres com câncer de mama, apresenta uma hiperexpressão de proteína promotora de crescimento conhecida como HER2 na superfície das células tumorais. Essas neoplasias foram denominadas cânceres de mama HER2-positivos e geralmente crescem e se espalham de forma mais agressiva. Para bloquear o tumor, diferentes tipos de drogas foram desenvolvidas para atingir a proteína HER2.
São as chamadas terapias anti- HER 2, que consistem em anticorpos monoclonais de proteínas do sistema imunológico (anticorpos) que são projetadas para se anexar a um alvo específico (seguindo o conceito de cavalo de Tróia, que avança sobre o alvo, para destruí-lo). Nesse caso, eles se ligam à proteína HER2 nas células cancerosas, impedindo o seu crescimento.
As mais utilizadas:
- Trastuzumabe – Para câncer de mama avançado, o tratamento geralmente é administrado enquanto a droga for útil e conseguir reduzir o tamanho dos tumores ou retardar o desenvolvimento do câncer de mama avançado HER2+. Também é indicada para estágio inicial.
- Pertuzumabe – É o primeiro tratamento para câncer de mama avançado HER2+. Quando combinado com trastuzumabe e quimioterapia pode retardar a progressão da doença e aumentar a sobrevida comparando com a administração isolada do trastuzumabe e da quimioterapia.
- Ado-trastuzumabe emtansina (T-DM1) – Atuação de trastuzumabe junto com uma quimioterapia. Indicado quando o tumor continua progredindo após o tratamento com o trastuzumabe e uma quimioterapia com taxanos.
- Trastuzumab deruxtecan – Uso do trastuzumabe com o medicamento quimioterápico deruxtecan. Indicado quando o tumor progredir após dois ou mais tratamentos com medicamentos que tenham como alvo as células HER2+.
- Tucatinibe, neratinibe e lapatinibe – Inibidores de tirosina, uma classe de medicamentos, que têm como alvo enzimas importantes para as funções celulares. Esses medicamentos bloqueiam as enzimas tirosina quinase.
- Inibidores PARP – Olaparibe e talazoparibe – Usados no tratamento do câncer de mama avançado HER2-negativo, com mutação no gene BRCA1/2 e que já foram tratadas inicialmente com quimioterapia, incluindo a quimioterapia para o câncer de mama inicial. As proteínas PARP normalmente ajudam a reparar o DNA danificado dentro das células. O bloqueio das proteínas PARP geralmente leva à morte dessas células.
Diego Miguel é médico geneticista