Benefícios de estudar o material de aborto através do Teste POC
Estima-se que até 65% das gestações terminam em aborto espontâneo. Na maioria das vezes esta perda passa despercebida por acontecer antes mesmo da mulher ter realizado um teste de gravidez. A incidência de abortos clínicos é de 15%, que são os casos onde o saco gestacional foi visualizado. Cerca de 80% dessas perdas ocorrem antes da 12ª semana, ou seja, no primeiro trimestre. Sobre o risco de repetição, 1 de cada 100 gestantes apresentam dois abortos prévios e 0,3% três abortos prévios. Segundo consenso das sociedades médicas Americana (ASRM) e Europeia (ESHRE), considera-se aborto de repetição a partir de duas perdas gestacionais, situação onde o estudo da causa é imperativo. Apesar da literatura médica orientar o estudo do material do aborto apenas após duas perdas, existe um benefício psicológico e prático em realizar o estudo sempre que possível, pois do ponto de vista emocional é possível encontrar respostas ao ocorrido e do ponto de vista clínico, esta resposta pode ajudar a direcionar os próximos passos para evitar a repetição de forma mais efetiva e baseada em evidências.
Pacientes em tratamentos de reprodução assistida apresentam uma taxa superior de alterações cromossômicas ligadas ao aborto. Entre 63% e 76%.
Causas mais comuns do aborto
- Causas genéticas
As alterações cromossômicas representam entre 50% e 70% das causas das perdas gestacionais. As alterações cromossômicas, mesmo quando ligadas a síndromes genéticas compatíveis com a vida, como Síndrome de Down (trissomia 21) e as trissomias dos cromossomos sexuais, em sua maioria terminará em um aborto espontâneo. Apenas 0,6% das alterações cromossômicas resultarão no nascimento de um bebê.
- De 3% a 5% dos casos de perdas gestacionais ocorrem devido a uma alteração no cariótipo materno ou paterno. Portadores de translocações recíprocas e translocações robertsonianas apresentam um risco de abortamento entre 35% e 64%.
- As perdas provocadas por alterações genéticas costumam acontecer, em sua maioria, por erros que ocorrem de forma espontânea durante o processo de divisão celular do embrião. Sua incidência aumenta com a idade materna.
Causas imunológicas
- Doença Autoimune: A única doença comprovadamente relacionada com o aborto é a Síndrome Antifosfolipídeo (SAF). Seu tratamento reduz drasticamente o risco de repetição da perda.
- Causa Aloimune: São os casos onde o sistema imunológico combate o embrião devido aos antígenos de origem paterna. No entanto, esta suposta origem não está 100% comprovada cientificamente.
- Fatores anatômicos
- Fatores endócrinos
- Fatores hematológicos (Trombofilias)
- Infecções e microbioma
A tolerância materno-fetal tem sido principalmente estudada como uma possível causa de abortamento através de um processo regulado pela interação das células Natural Killer Uterinas (KIR). Alterações na cavidade uterina são possíveis causas de aborto, principalmente relacionadas ao segundo trimestre da gravidez, mas também podem ocorrer no primeiro trimestre. Insuficiências do corpo lúteo, síndrome dos ovários policísticos, diabetes mal controlada, alterações na tireoide, entre outras, são causas pouco prováveis e com poucas evidências a seu favor. Podem ser adquiridas, como a SAF ou provocadas por alguns casos de resistência à proteína C ativada (APCR), congênitas ou por mutações genéticas que afetam a coagulação sanguínea. Também um tema controverso que divide especialistas. O microbioma endometrial recentemente foi identificado como um fator importante para a gravidez. Uma infecção bacteriana, como a endometrite crônica além da presença de bactérias patogênicas como por exemplo a Gardenerella estão ligada a casos de abortos.
- Obesidade
Pesquisas científicas demonstraram diferenças significativas nas taxas de aborto ao estudar pacientes obesas (com IMC≥30 kg) em comparação com pacientes com peso normal (IMC<25 kg). Enquanto a taxa de aborto em pacientes obesas foi 38,1%, a taxa em pacientes dentro do IMC normal foi 13,3%. Pacientes com sobrepeso (IMC≥25 kg/m2) também foram analisadas, porém não houve diferença significativa em comparação com aquelas dentro do peso considerado normal.
Prevenção do aborto, entendendo o principal fator
Considerando que o principal fator de origem de uma perda gestacional é genético, vamos detalhar as diferentes situações genéticas ligadas a esta causa de aborto. A maioria das alterações genéticas responsáveis pelas perdas gestacionais são alterações cromossômicas, em 95% dos casos devido a alterações no número de cromossomos.
Aborto Espontâneo
(Hassold et al., 1996) (n= 4.088) | Aborto de Repetição
(Stephenson et al., 2002) (n= 420) | |
% Monossomia X | 8,6 | 4,3 |
% Trissomias autossômicas | 26,6 | 30,9 |
Trissomia 13 | 1,1 | 2,6 |
Trissomia 15 | 1,7 | 5,2 |
Trissomia 16 | 7,5 | 4,5 |
Trissomia 18 | 1,1 | 0,9 |
Trissomia 21 | 2,3 | 2,6 |
% Trissomias sexuais | 0,3 | 0,5 |
% Poliploidias | 9,8 | 8,8 |
% Anomalias estruturais | 2 | 1,9 |
Trissomias
As trissomias ocorrem quando existe um cromossomo a mais no cariótipo. O ser humano possui 23 pares de cromossomos e 2 cromossomos sexuais. Portanto, um cariótipo normal é descrito como 46, XX (para mulheres) e 46, XY (para homens). A trissomia mais conhecida e compatível com a vida é a Síndrome de Down, porém uma trissomia pode acontecer em qualquer cromossomo. Como dito anteriormente, a maior parte das trissomias terminam em abortamento ou morte perinatal. Veja o exemplo da trissomia do cromossomo 21 (Síndrome de Down):
Triploidias
As triploidias são o tipo mais comum de poliploidias. Ocorrem quando há a presença de 3 cromossomos em todo o cariótipo. A maior parte das triploidias são de origem paterna, ocorridas pela fecundação de dois espermatozoides ou por um espermatozoide diploide. Os embriões triploides normalmente abortam entre as semanas 10-20 de gestação.
Tetraploidias
Mais raro, mas também possíveis são as tetraploidias.
Abortamento espontâneo em tratamento de reprodução humana
Como dito anteriormente, casais em tratamento de reprodução humana apresentam uma taxa superior de perdas gestacionais em comparação a pessoas da mesma idade que não estão em tratamento, cujo a causa principal são alterações cromossômicas. Entre 63% e 76%. Cromossomos que contribuem com maior frequência nas perdas gestacionais: 13, 14, 15, 16, 18, 20, 21, 22, monossomia X e poliploidias.
Gráfico: Distribuição de alterações cromossômicas em abortos espontâneos n=676 (Martínez et al., 2010). Doble A= Dupla aneuploidia.
É possível conhecer a origem paterna ou materna de uma alteração cromossômica?
A origem da alteração cromossômica pode ser identificada com maior facilidade quando envolve cromossomos sexuais. Por exemplo, nas monossomias dos cromossomos X, normalmente a origem da alteração genética é paterna e ocorre na formação do espermatozoide. Existe uma maior incidência de alterações cromossômicas de origem paterna em homens com alterações na contagem de espermatozoides realizada a partir do exame espermograma. A origem de trissomias autossômicas (ligados aos cromossomos que não são os sexuais) é principalmente materna. A origem paterna ocorre entre 5-10% dos casos.
% Origem Materna | % Origem Paterna | % Origem pós-zigótico | |
Trissomia 13 | 88 | 12 | |
Trissomia 16 | 100 | ||
Trissomia 18 | 89 | 11 | |
Trissomia 21 | 88 | 8 | 3 |
Trissomia 22 | 98 | 3 | |
Trissomia XXX | 76 | 6 | 18 |
Trissomia XXY | 51 | 46 | 3 |
Trissomia XYY | 60 | 40 | |
Monossomia | 20 | 80 |
Origem parental das aneuploidias (Jacobs and Hassold, 1995; Nicolaidis and Petersen, 1998; Hassold and Hunt, 2001 e Hassold and Hunt, 2007).
Mulheres jovens também podem gerar alterações cromossômicas
A idade materna é um dos principais fatores das alterações cromossômicas que podem levar a um aborto. Mulheres acima dos 35 anos geram 56% dos óvulos alterados, enquanto abaixo dos 35 anos a taxa é de 29%.
Indicações para o estudo do material de aborto
Seria útil analisar o material de aborto de toda perda espontânea para obter agilidade de resposta e proporcionar respostas aos pacientes, no entanto a indicação das sociedades médicas é realizar o estudo em casos de abortamento de repetição e perdas ocorridas após o tratamento da infertilidade.
- Quando é comprovada uma causa do aborto por aneuploidia (alteração cromossômica), o risco de repetição é superior, principalmente quando ocorrido em pacientes menores de 35 anos.
- A taxa de aborto em pacientes em tratamento de reprodução assistida é superior, principalmente devido à idade materna avançada e fator masculino severo.
- O fator masculino severo, onde a concentração de espermatozoides é inferior a 5 milhões/ml, é uma causa importante de perda gestacional. Estudos em material de aborto em pacientes com este perfil tiveram como resultado uma taxa de alterações cromossômicas de 75%, enquanto os com uma concentração superior a 5 milhões/ml produziram alterações em 51% dos casos.
- Exposição a desreguladores endócrinos, também chamados disruptores endócrinos, ou seja, componentes químicos que afetam o sistema endocrinológico de humanos e animais. Existe a suspeita de que a exposição a tais disruptores está ligado ao aborto. Entre os possíveis compostos está o Bisfenol A e, no caso dos homens, a exposição a estrógenos exógenos.
Técnicas do estudo do material de aborto
Estudo citogenético clássico:
Realizado mediante cultivo celular e posterior cariótipo de banda G. É o estudo mais utilizado por existir a mais tempo, no entanto apresenta sérias limitações pela dificuldade do crescimento celular em cultivo, baixa resolução e o fato da técnica não permitir distinguir resultados fetais feminino normal com uma possível contaminação materna.
Método molecular:
Mais robusto e realizado sem cultivo celular, obtêm resultados inclusive na análise de material coletado em gestações detidas há vários dias. Através do método molecular a resolução é superior identificando desequilíbrios maiores de 5-6Mb, no entanto, na maioria dos casos não permite a identificação de alterações cromossômicas equilibradas. Existem diferentes técnicas para o estudo molecular do material de aborto, a mais avançada é realizada através do sequenciamento de nova geração (NGS), que através do protocolo IGENOMIX possui a capacidade de:
- Realizar o sequenciamento completo dos 24 cromossomos
- Detectar Alterações parciais
- Detectar Mosaicismo embrionário
- Detectar Triploidias
- Descartar contaminação materna
- Detectar a origem dos resultados femininos normais
- Detectar alterações de tamanho igual ou superior a 5-6Mb.
Em um Estudo citogenético clássico, a contaminação materna é uma das principais fontes de erro no diagnóstico. Estudos retrospectivos demonstram que mais da metade dos casos normais 46,XX são resultados de contaminação materna. Esta limitação técnica pode levar a uma conduta médica não apropriada ao caso da paciente.
O estudo do material do aborto por método molecular e a técnica NGS realizado no laboratório Igenomix chama-se teste POC.
Tipos de amostras de material de aborto que podem ser estudados através do teste POC
- Saco gestacional vazio (anembrionado)
- Abortos diferidos com mais de 2 a 4 semanas.
- Restos ovulares expulsados espontaneamente e coletados em casa (apesar da preferência ser uma coleta com auxílio médico)
- Material fetal de gestações múltiplas. Situação onde é preciso utilizar um frasco para cada feto.
- Material coletado em qualquer momento da gestação a partir da sexta semana.
Detecção de doença genética no material de aborto
Quando há uma suspeita de doença genética hereditária, mas ainda não há um diagnóstico conhecido e a provável causa do aborto tenha sido essa. É possível realizar o armazenamento do DNA do material correspondente a esse embrião/feto para futura pesquisa após uma consulta com médico geneticista e direcionamento do melhor teste a se realizar.
Limitações do teste
Nem todas as condições genéticas ou alterações cromossômicas podem ser detectadas no teste POC. São elas:
- Translocações equilibradas e inversões que este teste não pode testar.
- Baixo grau de mosaicismo cromossômico (<30%).
- Mutações genéticas individuais como Anemia Falciforme, Fibrose Cística ou a doença de Tay-Sachs (somente quando realizado teste genético específico).
- Não detecta certas tetraploidias como a 92, XXXX ou 92, XXYY.
- Dissomia Uniparental.
- TrissomIas completas de cromossomos acrocêntricos não se podem distinguir das trissomias, devido a uma translocação Robertsoniana (implica a los cromossomos 13, 14, 15, 21, ou 22) ou isocromossomos em un dos pais.
Riscos gerais de qualquer análise: Assim como em qualquer outro processo laboratorial, existe o risco de que determinadas situações levem a uma ausência de diagnóstico ou diagnóstico impreciso, tais como recepção de dados inexatos relacionados com o histórico familiar, ou a existência de outras alterações genéticas não identificadas pelo teste. Incidentes fora do controle durante o transporte da amostra relacionados com clima, atraso e outros fatores que comprometam a qualidade do material recebido podem comprometer a análise e, finalmente, também existe o risco de que o material recebido não contenha DNA fetal e, por consequência, estudo não possa ser realizado.
niPOC, como funciona o POC não invasivo?
Como alternativa, em situações onde não será realizada uma coleta do material da perda, é possível detectar o DNA fetal circulante no sangue materno através do teste niPOC, que mostrou-se superior em comparação à análise do cariótipo.
Um ponto fundamental para a realização do niPOC é que a coleta de sangue materna seja realizada antes da expulsão natural ou assistida do material fetal.
Saiba mais sobre as análises do produto da perda da gravidez disponíveis na Igenomix e entre em contato com nossa equipe para obter mais informações de como realizar o teste e receber o kit de coleta.
Taccyanna Ali, MsC, assessora científica